terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

AVE infantil/juvenil


Intervenção da terapia ocupacional em um caso de AVE infantil/juvenil

Carolina Bastos PLOTEGHER
Terapeuta Ocupacional. Graduada na Universidade Federal de São Carlos (2010). Especializanda do curso de Neurociências e Reabilitação da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp).

Resumo
            Este estudo de caso foi realizado a partir de uma intervenção da terapia ocupacional em um caso de AVE infanto-juvenil. O objetivo principal e de relatar uma experiência vivenciada no atendimento de um adolescente que sofreu um Acidente Vascular Encefálico quando estava na barriga da mãe. Foi feita uma entrevista inicial onde pode ser relatado o histórico do paciente e suas queixas principais. Foram feitas avaliações dos aspectos motores e cognitivos e assim iniciou-se a intervenção com a finalidade de melhora no desempenho ocupacional e diminuição das queixas apresentadas. Ao final do processo terapêutico, pudemos perceber que a evolução do paciente foi positiva, seu desempenho nas atividades diárias melhoram significamente, o que ocasionou na alta do paciente.

Palavras chaves: Terapia Ocupacional; Acidente Vascular Encefálico; Infância e Adolescência.

Introdução
            O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é definido como um déficit neurológico de início súbito que tem como causa a interrupção do fluxo sanguíneo do cérebro, resultando em uma lesão e, consequentemente, em comprometimentos motores, sensoriais e/ou cognitivos (FARIA, 2007; CECATTO, 2012).
            Essa doença neurológica é mais conhecida pelo seu acometimento em adultos e idosos, mas poucos sabem que ela também ocorre em crianças e jovens, em alguns casos pode ocorrer até quando o bebê ainda está na barriga da mãe (ANDRADE, 2008).
            O AVE é uma das 10 principais causas de morte em crianças. As principais causas deste tipo de acometimento em crianças são as alterações hematológicas (anemia falciforme), alterações cardíacas, policitemia, neoplasias e a SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Mas ainda consta que em 25% dos casos a etiologia do AVE não é esclarecida (ANDRADE, 2008; PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012).
            Alguns casos evoluem sem sequelas, porém mais da metade dos casos desenvolvem alguma deficiência, sendo a sequela motora a mais frequente. Também podem ser encontradas sequelas como

“epilepsia, deficiência visual, distúrbio de comportamento e/ou aprendizagem, deficiência de comunicação, coordenação visomotora, organização e integração espacial, déficit na capacidade de resolução de problemas” (PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012, p. 262).

            Na reabilitação desses pacientes as habilidades motoras são readquiridas mais rapidamente que as habilidades sociais, comportamentais e cognitivas. Uma disfunção nestas habilidades causa um impacto grande na participação da criança em ambientes sociais como sua casa, escola e comunidade (PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012).
           
A intervenção da terapia ocupacional
            A intervenção da terapia ocupacional no caso de AVE infanto-juvenil considera a idade, o desenvolvimento neurológico, as funções comportamentais e cognitivas, motoras e sensoriais, como consequências presentes, assim como as necessidades referentes ao autocuidado, escola e atividades de lazer dando suporte à saúde e participação na vida através do engajamento da criança em ocupações que sejam significativas para ela (PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012).
O terapeuta ocupacional avalia e trabalha nas áreas de ocupação e dos componentes de desempenho do paciente. As áreas de ocupação são as atividades que o paciente desempenha dentro da sociedade, como por exemplo: Atividades de Vida Diária (AVDs), Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs); sono e descanso; educação; trabalho; brincar; lazer e participação social (AOTA, 2008).
Os componentes do desempenho se referem as habilidades que o paciente demonstra nas ações que ele realiza, como exemplo: componentes motores e praxis, sensório-perceptivos, regulação emocional, cognitivos, comunicação e habilidades sociais (AOTA, 2008).
Na reabilitação de uma criança ou adolescente que sofreu um AVE, a intervenção da terapia ocupacional vai focar nas ações que esse tipo de clientela exerce no seu dia a dia. Ações como brincar, que consiste em uma ocupação infantil significativa e fundamental, uma importante área de desempenho ocupacional. Através dela a criança expressa seu desejo de descobrir por si mesmo como viver e como ser (PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012).
            O terapeuta ocupacional vai trabalhar na questão do desempenho ocupacional do paciente, para que a criança adquira uma maior independência nas atividades de vida diárias (AVDs), atividades instrumentais de vida diárias (AIVDs), que envolvem cuidados com o próprio corpo e que são fundamentais para a vida em sociedade.
Outra área de desempenho de crianças e de adolescentes é o ambiente escolar, onde realizam atividades necessárias para a aprendizagem e participação neste ambiente (PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012).
            O terapeuta ocupacional pode utilizar equipamentos para que o desempenho ocupacional do paciente assistido seja o melhor possível. Em pacientes com AVE é muito utilizado os equipamentos de tecnologia assistiva onde a atividade sofre uma adaptação enquanto função. Isto consiste no processo de modificar as tarefas e as atividades para promover a função independente (CRUZ; CORDEIRO; IOSHIMOTO, 2008).
Estes equipamentos englobam, como exemplo, engrossadores para talheres para pacientes que tem dificuldades de preensão manual, bordas de prato para pacientes com comprometimento de hemicorpo e que tem dificuldades para colocar a comida no talher, escovas de cabo longo para pacientes com dificuldades de lavar membros inferiores, etc. Enfim, equipamentos que vão ajudar na independência do paciente realizar as tarefas pertinentes a ele, que serão avaliadas pelo terapeuta em entrevista inicial.

Objetivo
            Este estudo tem como objetivo principal relatar uma experiência de atendimento ambulatorial de terapia ocupacional com adolescente com sequela de AVE.

Relato do caso
            Histórico do paciente
            M. é um adolescente de 14 anos, estudante de escola regular de ensino, mora com seus pais e irmão. Tem um histórico de AVE que a mãe afirma ter ocorrido quando ele ainda estava dentro da barriga. Apresenta uma lesão cística no lobo tempôro-pariental causado pela cicatriz do AVE. Na infância demorou a andar e não engatinhou. A mãe relata que até os 10 anos de idade ele se desequilibrava e caía muito. Sempre foi um bom aluno, mas, de acordo com a mãe, não se entrosava com os colegas, agora que começou a fazer amizades.
            As queixas principais, apresentadas pela mãe, são as de que M. é “desastrado”, derruba tudo o que estiver na sua frente em uma mesa, não consegue segurar objetos por muito tempo, não tem coordenação motora fina. Relatou também que seu filho não sabe lidar com questões de troco ao realizar uma compra.

Avaliações realizadas
            Primeiramente foi realizada uma avaliação que consistia em uma entrevista semiestruturada. De acordo com Manzini (1990/1991, p. 154) a

“entrevista semiestruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista.”

Assim, para a entrevista foi elaborado um roteiro que continha perguntas básicas a respeito do histórico do paciente para melhor entender o caso e melhor atender a demanda. Estas perguntas envolviam questões a respeito da gestação, do nascimento, do desenvolvimento físico e cognitivo, e das queixas atuais.
Passado a entrevista, em uma segunda sessão, foi feita avaliação da capacidade motora e cognitiva de M. O adolescente disse a terapeuta que faz todas as atividades diárias com o membro superior esquerdo, e que o membro superior direito é o que possui a disfunção. Apresenta fadiga no MSD quando realiza uma atividade por um longo tempo, falta de coordenação motora fina e déficit de força de preensão fina.
A respeito da cognição, foi avaliado a partir da queixa sobre a questão de troco. A terapeuta deu uma atividade que ele utilizasse dinheiro e percebeu que ele não tem dificuldade alguma. A conclusão que a terapeuta chegou sobre isso é de que ele, por causa da idade, esteja querendo chamar a atenção da mãe, ou que a mãe possa estar superprotegendo M. neste sentido.

Intervenção
            A partir das avaliações, foi traçado um plano de tratamento. Foram realizados 39 atendimentos, com frequência de duas vezes por semana e duração de 30 minutos. No ultimo mês do processo foi preciso mudar a frequência para uma vez por semana e a duração destes atendimentos foi de 50 minutos. O plano envolvia atividades e jogos que englobavam movimentos de coordenação motora fina, controle de movimento e atividades bimanuais como objetivo de o paciente conseguir realizar atividades que necessitassem destes tipos de movimentos e assim melhorar seu desempenho ocupacional.
No decorrer do processo terapêutico foram feitas orientações ao paciente e à mãe de M. para que ele passasse a realizar algumas atividades de vida diária com o MSD, como forma de continuar as atividades em casa e melhorar a coordenação e controle. Foram feitas também seis reuniões com a mãe com a finalidade de saber como estava indo o desempenho de M. em casa, se as queixas continuavam, e para esclarecimentos de fatos que surgiam no decorrer do processo.
Foi necessário encaminhar M. para atendimento com a psicóloga, pois, de acordo com a mãe, ele estava apresentando comportamento estranho dentro de casa, não conversava com ninguém, apresentava comportamentos de dependência em relação à mãe, como modo de chamar atenção. Nos atendimentos com a terapeuta, apresentava se sempre acanhado, não conversava, não desenvolvia um diálogo sustentado.
Como encerramento do processo terapêutico foi realizado uma devolutiva dos atendimentos com M. e sua mãe. A terapeuta fez uma retrospectiva de todos os atendimentos e das atividades e orientações realizadas, falou sobre a evolução de M., das habilidades que ele adquiriu e do quanto isso é importante para a vida dele. M. relatou o que sentia a respeito do seu progresso nos atendimentos e sobre a alta, que foi dada neste mesmo dia.

Resultados e discussões
Acredito que este relato de experiência seja importante para o conhecimento de um caso que a princípio parece de difícil resolução, mas que ao final teve seu objetivo alcançado. Digo de difícil resolução pelo contexto apresentado do menino que nunca fez reabilitação dar inicio a esta depois de muito tempo de lesão e conseguir chegar ao objetivo final do processo terapêutico, que foi a melhora no desempenho ocupacional e diminuição das queixas apresentadas.
Em relação ao encaminhamento feito para a psicóloga, foi percebido grande progresso a respeito da mudança de comportamento de M. que passou a conversar mais em casa e nos atendimentos com a terapeuta, e o comportamento de dependência em relação a mãe cessou. 
            Um fato que foi um importante aliado durante os atendimentos de M. foi a inserção dele em um projeto social que atendia crianças e adolescentes carentes e realizavam trabalhos manuais e esportes visando o convívio social e inserção no mercado de trabalho. M. realizou atividades na marcenaria onde utilizou os aspectos bimanuais e o controle de movimento, o que o ajudou na reabilitação.
            Ao final do processo, no dia da devolutiva dos atendimentos, o paciente recebeu alta dos atendimentos da terapia ocupacional.
           
Referências bibliográficas

AMERICAN OCCUPATIONAL THERAPY ASSOCIATION. Occupational therapy practice framework: Domain and process. American Journal of Occupational Therapy. 2ª ed., v. 62, p. 625-683, 2008.
ANDRADE, E. AVC em crianças. Revista do correio; 09 out. 2008. Disponível em: www.icbneuro.com.br. Acessado em: 05 set. 2012.
CECATTO, R. B. Acidente Vascular Encefálico: aspectos clínicos. In: CRUZ, D. M. C. Terapia Ocupacional na reabilitação pós-acidente vascular encefálico: atividades de vida diária e interdisciplinaridade. São Paulo: Santos, 2012.
CRUZ, D. M. C.; CORDEIRO, J. J. R.; IOSHIMOTO, M. T. A. Prescrição e treino com adaptações para atividades da vida diária em pacientes adultos com disfunção neurológica. In: OLIVEIRA, A. I. A.; LOURENÇO, J. M. Q.; GAROTTI, M. F. (Orgs.). Tecnologia Assistiva: pesquisa e prática. Belém: EDUEPA, 2008.
DELLA BARBA, P. C. S.; MARTINEZ, C. M. S.; SANCHES, M.; FONTES, M. Intervenção da terapia ocupacional junto a uma criança com necessidades especiais. Caderno de terapia ocupacional da UFSCar. São Carlos, V. 10, N. 01, 2002. P. 51-60.
FARIA, I. Disfunções Neurológicas. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C. Terapia Ocupacional: fundamentação e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.
MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27, 1990/1991, p. 149-158.
PFEIFER, L. I.; SILVA, D. B. R.; SILVA, M. F. M. Intervenção da terapia ocupacional no acidente vascular encefálico infantil. In: CRUZ, D. M. C. Terapia Ocupacional na reabilitação pós-acidente vascular encefálico: atividades de vida diária e interdisciplinaridade. São Paulo: Santos, 2012.

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