Intervenção
da terapia ocupacional em um caso de AVE infantil/juvenil
Carolina
Bastos PLOTEGHER
Terapeuta Ocupacional. Graduada na
Universidade Federal de São Carlos (2010). Especializanda do curso de
Neurociências e Reabilitação da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
(Famerp).
Resumo
Este estudo de
caso foi realizado a partir de uma intervenção da terapia ocupacional em um
caso de AVE infanto-juvenil. O objetivo principal e de relatar uma experiência
vivenciada no atendimento de um adolescente que sofreu um Acidente Vascular
Encefálico quando estava na barriga da mãe. Foi feita uma entrevista inicial
onde pode ser relatado o histórico do paciente e suas queixas principais. Foram
feitas avaliações dos aspectos motores e cognitivos e assim iniciou-se a
intervenção com a finalidade de melhora no desempenho ocupacional e diminuição
das queixas apresentadas. Ao final do processo terapêutico, pudemos perceber
que a evolução do paciente foi positiva, seu desempenho nas atividades diárias
melhoram significamente, o que ocasionou na alta do paciente.
Palavras
chaves: Terapia Ocupacional; Acidente Vascular Encefálico;
Infância e Adolescência.
Introdução
O
Acidente Vascular Encefálico (AVE) é definido como um déficit neurológico de
início súbito que tem como causa a interrupção do fluxo sanguíneo do cérebro,
resultando em uma lesão e, consequentemente, em comprometimentos motores,
sensoriais e/ou cognitivos (FARIA, 2007; CECATTO, 2012).
Essa
doença neurológica é mais conhecida pelo seu acometimento em adultos e idosos,
mas poucos sabem que ela também ocorre em crianças e jovens, em alguns casos
pode ocorrer até quando o bebê ainda está na barriga da mãe (ANDRADE, 2008).
O
AVE é uma das 10 principais causas de morte em crianças. As principais causas
deste tipo de acometimento em crianças são as alterações hematológicas (anemia
falciforme), alterações cardíacas, policitemia, neoplasias e a SIDA – Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida. Mas ainda consta que em 25% dos casos a
etiologia do AVE não é esclarecida (ANDRADE, 2008; PFEIFER; SILVA; SILVA,
2012).
Alguns
casos evoluem sem sequelas, porém mais da metade dos casos desenvolvem alguma
deficiência, sendo a sequela motora a mais frequente. Também podem ser
encontradas sequelas como
“epilepsia,
deficiência visual, distúrbio de comportamento e/ou aprendizagem, deficiência
de comunicação, coordenação visomotora, organização e integração espacial,
déficit na capacidade de resolução de problemas” (PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012, p.
262).
Na
reabilitação desses pacientes as habilidades motoras são readquiridas mais
rapidamente que as habilidades sociais, comportamentais e cognitivas. Uma
disfunção nestas habilidades causa um impacto grande na participação da criança
em ambientes sociais como sua casa, escola e comunidade (PFEIFER; SILVA; SILVA,
2012).
A
intervenção da terapia ocupacional
A
intervenção da terapia ocupacional no caso de AVE infanto-juvenil considera a
idade, o desenvolvimento neurológico, as funções comportamentais e cognitivas,
motoras e sensoriais, como consequências presentes, assim como as necessidades
referentes ao autocuidado, escola e atividades de lazer dando suporte à saúde e
participação na vida através do engajamento da criança em ocupações que sejam
significativas para ela (PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012).
O terapeuta ocupacional
avalia e trabalha nas áreas de ocupação e dos componentes de desempenho do
paciente. As áreas de ocupação são as atividades que o paciente desempenha
dentro da sociedade, como por exemplo: Atividades de Vida Diária (AVDs),
Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs); sono e descanso; educação;
trabalho; brincar; lazer e participação social (AOTA, 2008).
Os componentes do
desempenho se referem as habilidades que o paciente demonstra nas ações que ele
realiza, como exemplo: componentes motores e praxis, sensório-perceptivos,
regulação emocional, cognitivos, comunicação e habilidades sociais (AOTA,
2008).
Na reabilitação de uma
criança ou adolescente que sofreu um AVE, a intervenção da terapia ocupacional
vai focar nas ações que esse tipo de clientela exerce no seu dia a dia. Ações
como brincar, que consiste em uma ocupação infantil significativa e
fundamental, uma importante área de desempenho ocupacional. Através dela a
criança expressa seu desejo de descobrir por si mesmo como viver e como ser
(PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012).
O
terapeuta ocupacional vai trabalhar na questão do desempenho ocupacional do
paciente, para que a criança adquira uma maior independência nas atividades de
vida diárias (AVDs), atividades instrumentais de vida diárias (AIVDs), que
envolvem cuidados com o próprio corpo e que são fundamentais para a vida em
sociedade.
Outra área de
desempenho de crianças e de adolescentes é o ambiente escolar, onde realizam
atividades necessárias para a aprendizagem e participação neste ambiente
(PFEIFER; SILVA; SILVA, 2012).
O terapeuta ocupacional pode utilizar
equipamentos para que o desempenho ocupacional do paciente assistido seja o
melhor possível. Em pacientes com AVE é muito utilizado os equipamentos de
tecnologia assistiva onde a atividade sofre uma adaptação enquanto função. Isto
consiste no processo de modificar as tarefas e as atividades para promover a
função independente (CRUZ; CORDEIRO; IOSHIMOTO, 2008).
Estes equipamentos
englobam, como exemplo, engrossadores para talheres para pacientes que tem
dificuldades de preensão manual, bordas de prato para pacientes com
comprometimento de hemicorpo e que tem dificuldades para colocar a comida no
talher, escovas de cabo longo para pacientes com dificuldades de lavar membros
inferiores, etc. Enfim, equipamentos que vão ajudar na independência do
paciente realizar as tarefas pertinentes a ele, que serão avaliadas pelo
terapeuta em entrevista inicial.
Objetivo
Este estudo tem
como objetivo principal relatar uma experiência de atendimento ambulatorial de
terapia ocupacional com adolescente com sequela de AVE.
Relato
do caso
Histórico do paciente
M.
é um adolescente de 14 anos, estudante de escola regular de ensino, mora com
seus pais e irmão. Tem um histórico de AVE que a mãe afirma ter ocorrido quando
ele ainda estava dentro da barriga. Apresenta uma lesão cística no lobo
tempôro-pariental causado pela cicatriz do AVE. Na infância demorou a andar e não
engatinhou. A mãe relata que até os 10 anos de idade ele se desequilibrava e
caía muito. Sempre foi um bom aluno, mas, de acordo com a mãe, não se entrosava
com os colegas, agora que começou a fazer amizades.
As
queixas principais, apresentadas pela mãe, são as de que M. é “desastrado”,
derruba tudo o que estiver na sua frente em uma mesa, não consegue segurar
objetos por muito tempo, não tem coordenação motora fina. Relatou também que
seu filho não sabe lidar com questões de troco ao realizar uma compra.
Avaliações realizadas
Primeiramente
foi realizada uma avaliação que consistia em uma entrevista semiestruturada. De
acordo com Manzini (1990/1991, p. 154) a
“entrevista
semiestruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um
roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes
às circunstâncias momentâneas à entrevista.”
Assim, para a
entrevista foi elaborado um roteiro que continha perguntas básicas a respeito
do histórico do paciente para melhor entender o caso e melhor atender a
demanda. Estas perguntas envolviam questões a respeito da gestação, do
nascimento, do desenvolvimento físico e cognitivo, e das queixas atuais.
Passado a entrevista,
em uma segunda sessão, foi feita avaliação da capacidade motora e cognitiva de
M. O adolescente disse a terapeuta que faz todas as atividades diárias com o
membro superior esquerdo, e que o membro superior direito é o que possui a
disfunção. Apresenta fadiga no MSD quando realiza uma atividade por um longo
tempo, falta de coordenação motora fina e déficit de força de preensão fina.
A respeito da cognição,
foi avaliado a partir da queixa sobre a questão de troco. A terapeuta deu uma
atividade que ele utilizasse dinheiro e percebeu que ele não tem dificuldade
alguma. A conclusão que a terapeuta chegou sobre isso é de que ele, por causa
da idade, esteja querendo chamar a atenção da mãe, ou que a mãe possa estar superprotegendo
M. neste sentido.
Intervenção
A
partir das avaliações, foi traçado um plano de tratamento. Foram realizados 39
atendimentos, com frequência de duas vezes por semana e duração de 30 minutos.
No ultimo mês do processo foi preciso mudar a frequência para uma vez por
semana e a duração destes atendimentos foi de 50 minutos. O plano envolvia
atividades e jogos que englobavam movimentos de coordenação motora fina,
controle de movimento e atividades bimanuais como objetivo de o paciente
conseguir realizar atividades que necessitassem destes tipos de movimentos e
assim melhorar seu desempenho ocupacional.
No decorrer do processo
terapêutico foram feitas orientações ao paciente e à mãe de M. para que ele passasse
a realizar algumas atividades de vida diária com o MSD, como forma de continuar
as atividades em casa e melhorar a coordenação e controle. Foram feitas também
seis reuniões com a mãe com a finalidade de saber como estava indo o desempenho
de M. em casa, se as queixas continuavam, e para esclarecimentos de fatos que
surgiam no decorrer do processo.
Foi necessário
encaminhar M. para atendimento com a psicóloga, pois, de acordo com a mãe, ele
estava apresentando comportamento estranho dentro de casa, não conversava com
ninguém, apresentava comportamentos de dependência em relação à mãe, como modo de
chamar atenção. Nos atendimentos com a terapeuta, apresentava se sempre
acanhado, não conversava, não desenvolvia um diálogo sustentado.
Como encerramento do
processo terapêutico foi realizado uma devolutiva dos atendimentos com M. e sua
mãe. A terapeuta fez uma retrospectiva de todos os atendimentos e das
atividades e orientações realizadas, falou sobre a evolução de M., das
habilidades que ele adquiriu e do quanto isso é importante para a vida dele. M.
relatou o que sentia a respeito do seu progresso nos atendimentos e sobre a
alta, que foi dada neste mesmo dia.
Resultados
e discussões
Acredito que este
relato de experiência seja importante para o conhecimento de um caso que a
princípio parece de difícil resolução, mas que ao final teve seu objetivo
alcançado. Digo de difícil resolução pelo contexto apresentado do menino que
nunca fez reabilitação dar inicio a esta depois de muito tempo de lesão e
conseguir chegar ao objetivo final do processo terapêutico, que foi a melhora
no desempenho ocupacional e diminuição das queixas apresentadas.
Em relação ao encaminhamento
feito para a psicóloga, foi percebido grande progresso a respeito da mudança de
comportamento de M. que passou a conversar mais em casa e nos atendimentos com
a terapeuta, e o comportamento de dependência em relação a mãe cessou.
Um
fato que foi um importante aliado durante os atendimentos de M. foi a inserção dele
em um projeto social que atendia crianças e adolescentes carentes e realizavam
trabalhos manuais e esportes visando o convívio social e inserção no mercado de
trabalho. M. realizou atividades na marcenaria onde utilizou os aspectos
bimanuais e o controle de movimento, o que o ajudou na reabilitação.
Ao
final do processo, no dia da devolutiva dos atendimentos, o paciente recebeu
alta dos atendimentos da terapia ocupacional.
Referências
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